quarta-feira, 28 de abril de 2010

Jazz e Infância: Uma dica para se gostar de jazz


Hoje falei pelo msn com o Zépa, apelido do José Paulo, amigo querido que vi crescer, hoje ele já é papai do Edgard, um menino que também promete musicalmente. digo também promete porque me lembro do Zépa fazendo som em latas de tinta, solventes e colas na oficina de marcenaria de seu pai. Hoje ele é um baterista extraordinário, muito bom.

Ter falado com ele me remeteu à minha infância, terreno onde se plantaram as sementes de muitas coisas que cultivo até hoje, entre elas o gosto pela musica, em especial o jazz, essa linguagem tão rica e vasta que pode abarcar tudo, quer dizer, quase, não imagino um musico de jazz usando temas de funk carioca em jam sessions, não seriamente.

Ninguém me apresentou o Jazz, eu o conheci como conheci meus primeiros amigos de infância, como conheci meus primos, ele estava lá como trilha sonora das brincadeiras que eu fazia na sala da Dona Maura, mãe do Zépa, estava lá ao lado do Jorge Ben, antes de ser o Benjor; Cama de Gato; Celso Pixinga; Cassiopea; George Benson; entre outros.

Talvez por isso, quando me pedem uma dica para quem está interessado em começar no Jazz eu recorra sempre à minha primeira memória e diga Spyro Gyra, o LP Three Wishes era tocado todo dia pela manhã quando eu chegava, por solicitação minha claro. A essa altura Dona Maura já não cuidava de mim, eu já era membro da família, como ainda me considero, e ela me deixava lá ouvindo aquele "disco" mesmo enquanto alguns da casa dormiam.

Daniel Daiben, da Sala dos Professores, da rádio Eldorado, recomenda que se comece a ouvir jazz pelos cantores de jazz, e eu concordo, se voce se apaixonar por Billy Holliday, ou Ella Fitzgerald, Mahalia Jackson, ou Nina Simone, com certeza o jazz te pegou. Mas se quiser começar pelo instrumental, recomendo o fusion da década de oitenta apresentado pelo Spyro Gyra.
Spyro Gyra, Eu Adoro Isso Cara!

terça-feira, 27 de abril de 2010

De escultores e poetas

Já foi dito que o escultor é aquele capaz de enxergar a obra pronta dentro do bloco informe de mármore e desbastar as asperezas que a cobre e então oferecê-la ao mundo. Assim é também com a poesia, área da literatura tão pouco valorizada, haja vista à quantidade de prateleiras dedicadas à prosa e aos livros técnicos em comparação às dedicadas a esta estética. Tudo bem, também não existem tantos escultores assim no mundo. São de outra estirpe.
O poeta, por sua vez, tira a poeira acinzentada que cobre a matéria que forma sua poesia, a vida. Por baixo da aridez do cotidiano, das amarras burocráticas, dos programas imbecilizadores há uma matéria sagrada, quase sempre ignorada por ser tão comum, tão bruta e assustadora.
A vida se apresenta como palco de emoções que nos sacode e desconcerta. Nos deixa rendidos diante do amor, vitimados pela sensação do medo, incapazes de reação frente à paixão, esmagados sob o peso da morte de nossos queridos.
E o poeta transforma em beleza até a morte. Foi Cecília, a Meireles que me fez pensar nisso, e um poema dela, não sobre o amor mas sobre a morte de sua avó é que me levou a escrever sobre essas coisas. Agora chega o ponto em que é melhor calar e deixá-la explicar por mim.

O crepúsculo é este sossego do céu
com suas nuvens paralelas
e uma última cor penetrando nas árvores
até os pássaros.

É esta curva dos pombos, rente aos telhados,
este cantar de galos e rolas, muito longe;
e, mais longe, o abrolhar de estrelas brancas,
ainda sem luz.

Mas não era só isto, o crepúsculo:
faltam teus dois braços numa janela, sobre flores,
e em tuas mãos o teu rosto,
aprendendo com as nuvens a sorte das transformações.

Faltam teus olhos com ilhas, mares, viagens, povos,
tua boca, onde a passagem da vida
tinha deixado uma doçura triste,
que dispensava palavras.

Ah, falta o silêncio que estava entre nós,
e olhava a tarde, também.

Nele vivia o teu amor por mim,
obrigatório e secreto.
Igual a face da Natureza:
evidente, e sem definição.

Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
uma despedida pronta a cumprir-se.

Sentindo-o, cobria minhas lágrimas com um riso doido.
Agora, tenho medo que não visses
o que havia por detrás dele.

Aqui está o meu rosto verdadeiro,
defronte ao crepúsculo que não alcançaste.
Abre o túmulo, e olha-me:
dize-me qual de nós morreu mais.

Cecília Meireles

Sejam bem-vindos ao meu blog!